A cefaleia, popularmente conhecida como dor de cabeça, está entre as cinco maiores queixas de dor recebidas nos consultórios e é a reclamação número um nas salas dos neurologistas. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cefaleia, 95% da população brasileira terá ao menos um episódio de dor de cabeça ao longo da vida —e a maior parte delas serão mulheres, que costumam sofrer mais com o problema.
Os números não param aí: estima-se que 13 milhões de brasileiros convivam com a dor de cabeça pelo menos 15 dias por mês, uma condição chamada de cefaleia crônica diária.
E o problema está longe de ser simples: atualmente, existem mais de 150 diagnósticos possíveis de cefaleias, que são separadas em 14 grupos. "A grande maioria, cerca de 90%, são consideradas do tipo primário, resultado de alterações bioquímicas e funcionais do sistema nervoso que não estão ligadas a nenhuma anomalia ou doença", explica a neurologista Ida Fortini, professora do Departamento de Neurologia da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
"Os outros 10% são as chamadas secundárias, quando são consequências de outras doenças como sinusite, meningite ou até um tumor", afirma.
O problema, segundo a especialista, é que não dá para saber qual é a causa apenas pela queixa do paciente. "Nesse momento, é preciso uma escuta ativa, uma análise do histórico do indivíduo, para conseguir relacionar todas as características e fechar um diagnóstico", diz a professora.
E os gatilhos?
Estresse, noites mal dormidas, problemas de visão, desidratação e até alguns alimentos —dependendo da sensibilidade de cada um— são fatores bastante conhecidos por desencadearem uma dor.
Independentemente do gatilho, o mecanismo de "disparo" é sempre o mesmo e começa lá no DNA. É que os indivíduos que mais sofrem com cefaleia são também aqueles que têm uma maior predisposição genética a sentir dor e, por isso, acabam sendo mais sensíveis ao problema.
Uma vez em contato com o gatilho, existe um processo de ativação do nervo trigêmeo (principal responsável pela sensibilidade do rosto), que está ligado diretamente ao cérebro. "O corpo então libera uma substância química inflamatória associada à perpetuação desse reflexo de sensibilização. E tudo isso vai resultar também no aumento da vasodilatação, causando a dor", explica o neurologista Marcelo Freitas Schmid, do ICNE-SP (Instituto de Ciências Neurológicas de São Paulo), que é colaborador da unidade de pesquisa e tratamento das epilepsias da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Mas engana-se quem pensa que basta descobrir o que causa as crises para se ver livre da dor. Na verdade, de acordo com os especialistas, grande parte delas aconteceria de qualquer jeito. "Na prática clínica diária, esses fatores merecem atenção, porém, mais importante que eles é a frequência e intensidade das crises", diz o neurologista Pablo Lorenzon Coutinho, do Ambulatório de Cefaleia do Hospital Universitário Lauro Wanderley, da UFPB (Universidade Federal da Paraíba).
Há indícios, inclusive, de que o processo de dor seja iniciado 48 horas antes do sintoma dor aparecer, em um período chamado de "fase premonitória", de acordo com um estudo publicado pela Associação Americana de Neurologia.
"Nessa fase, os pesquisadores mostraram, por meio de exames de ressonância magnética, que já existe uma disfunção no hipotálamo, área do cérebro que regula todo o metabolismo. E alguns sintomas, como alteração do humor ou concentração, rigidez cervical, sensibilidade à luz, bocejos e vontade de comer doce são indicativos de que a pessoa já está entrando na crise", afirma Fortini.
E, por mais contraditório que pareça, um fator desencadeante importante é o uso indiscriminado de analgésicos, que tende a acontecer com quem se automedica pelo menos duas vezes por semana. Esse excesso causa uma dependência química no sistema nervoso central, o que pode levar a mais dor.
"Quando isso acontece, é um desafio para os especialistas, pois aquela dor padrão se alterna, variando as características", conta o neurologista Pablo Coutinho.
Tensão ou enxaqueca?
Uma situação bastante comum é não saber exatamente como descrever a dor e confundir uma dor muscular com uma enxaqueca de fato. A dor de cabeça tensional é a mais frequente na população e costuma provocar sintomas como dor leve a moderada, geralmente quando a área é pressionada ou apertada; sensibilidade em toda a cabeça; duração que pode ir de 30 minutos a uma semana, mas sem sensibilidade à luz e sem piora durante atividade física.
Já a enxaqueca clássica é diagnosticada após a detecção de um conjunto de três fatores. O primeiro é a frequência: é preciso ter cinco ou mais crises com duração de quatro a 72 horas em um intervalo de tempo indeterminado.
O segundo é o tipo da dor, que precisa ser descrita com pelo menos duas das seguintes características: dor em apenas um lado da cabeça; sensação de latejamento; intensidade moderada a forte; e/ou que piora com atividade física.
Por fim, é preciso que a crise venha acompanhada de pelo menos um dos seguintes sintomas: náusea e/ou vômito; muita sensibilidade à luz; intolerância a barulhos e/ou cheiros.
"Cabe dizer ainda que cerca de 20% dos pacientes têm o que chamamos de aura, uma espécie de luz ou figuras flutuantes que ficam na visão, ou até formigamento que vai se espalhando pelo corpo, como sinal de uma disfunção focal que acontece no córtex cerebral", afirma Ida Fortini.
Agora, se, além da dor, existirem sinais neurológicos alterados, como queda de pálpebra ou convulsão; fraqueza, febre ou alteração de exames neurológicos, é importante buscar ajuda médica imediatamente, já que a dor pode ser um sintoma de quadros mais graves, como sangramentos no cérebro, aneurisma, infecção ou trombose. O mesmo vale para as dores de cabeça que começam em pessoas com mais de 50 anos em que o padrão da dor se altera e torna-se muito intensa rapidamente.
Tem tratamento?
Sim. No entanto, apesar dos números alarmantes, muita gente pensa que é normal ter dor de cabeça —e acaba convivendo com a dor por muitos anos sem buscar ajuda especializada. A Sociedade Brasileira de Cefaleia estima que 1/3 das pessoas que vivem com o problema não procuram atendimento médico e 50% não fazem um tratamento adequado.
De fato, esse incômodo pode acontecer com qualquer um às vezes, mas não é normal quando a frequência dos episódios se torna alta e o quadro começa a provocar sofrimento e dificuldade em realizar as tarefas do dia a dia. Para orientar a população sobre isso, a entidade criou a campanha #3éDemais, em que incentiva as pessoas a buscarem a ajuda de um médico se experimentarem três ou mais crises por mês por mais de três meses.
O diagnóstico é clínico, mas o especialista pode pedir exames complementares como a angiotomografia de vasos intracranianos ou a angiorressonância magnética venosa, que analisam vasos, veias e artérias, para investigar se existe outras doenças associadas à dor.
Quando é identificada a necessidade de tratamento, na maioria das vezes ele é feito com medicações de uso contínuo, como anti-hipertensivos ou antiepiléticos por um período de tempo variável, de acordo com cada caso.
"Tendo resposta positiva, tentamos tirar no melhor momento. Sempre em conjunto com a mudança de hábitos, como se alimentar corretamente, dormir bem e fazer atividade física", explica o neurologista Marcelo Schmid.
Existem ainda terapias complementares que ajudam no manejo da dor, como meditação, acupuntura, massagens e até a boa e velha bolsa de água —que pode ser fria ou quente: o importante é que provoque alívio e conforto para a pessoa e ajude a superar a crise enquanto ela durar.
Fonte - Viva Bem (UOL)
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