Os números são assustadores. Mais de 50 milhões de pessoas tiveram demência em 2019, no mundo, e calcula-se que esse número possa chegar a 152 milhões em 2050. Demência tem várias causas, dentre elas a doença de Alzheimer e o AVC — acidente vascular cerebral. Alzheimer começa de mansinho com a perda de memória que todo idoso tem, mas em alguns indivíduos se agrava, vira demência e dura longos anos, com muito sofrimento para os pacientes e as famílias. Já o AVC é súbito e tem diferentes consequências. Responde por 10% das mortes no mundo, e é a maior causa de incapacidade funcional com a idade, embora a mortalidade tenha diminuído recentemente. O problema é grave, pois os tratamentos disponíveis para ambas as condições são paliativos e pouco eficazes. O que fazer?
A ideia prevalente entre cientistas e profissionais de saúde é buscar formas de prevenir ou retardar a ocorrência de demência e AVC nos mais velhos. Atividade física e intelectual, alimentação saudável, controle da obesidade e do diabetes são reconhecidamente úteis para manter a saúde física e mental no envelhecimento. Uma alternativa controversa que agora parece se consolidar cientificamente é o consumo de café e chá. Quem diria...
Mas é fato. O benefício do café e do chá consumidos diariamente foi alvo de um estudo prospectivo — de longo intervalo entre o início e o final — publicado recentemente por pesquisadores chineses no Reino Unido. O grupo usou dados do Biobanco daquele país. Biobanco é um repositório estruturado de informações biológicas sobre pessoas — muitas pessoas — disponível para a pesquisa. São amostras de sangue e outros líquidos corporais, fragmentos de tecidos e órgãos, inclusive o cérebro, cuidadosamente conservados para o escrutínio científico. E dados demográficos, físicos e psicológicos dos participantes voluntários. O Brasil tem um biobanco de grande prestígio na Faculdade de Medicina da USP, bastante utilizado por pesquisadores brasileiros, inclusive este que vos fala.
Bem, os pesquisadores começaram o estudo com milhares de britânicos que procuraram o Biobanco entre 2006 e 2010 para doar material, deixando arquivadas dezenas de características individuais: sexo, idade, etnia, nível educacional e socioeconômico, consumo de cigarros e álcool, dieta e por aí vai. Além disso, ficava registrado um grande número de hábitos, entre os quais o consumo diário de chá, café ou ambos. O trabalho reuniu dados de quase 400 mil indivíduos entre 50 e 74 anos de idade. Depois, os pesquisadores acompanharam essas mesmas pessoas uma a uma até 2020 por meio dos dados do sistema público de saúde britânico, anotando se tiveram demência ou AVC — ou demência pós-AVC. O objetivo foi relacionar os desfechos de saúde com os hábitos de consumo de chá, café ou ambos.
Foram 11 anos, em média, durante os quais 5 mil participantes tiveram demência, e 10 mil tiveram AVCs. Para verificar a possível influência do consumo de café, chá ou ambos, os pesquisadores compararam consumidores com não consumidores dessas bebidas, e puderam calcular a taxa de risco para demência e AVC. Os resultados foram animadores. Algumas xícaras de café e/ou chá por dia eram suficientes para diminuir em 30% a taxa de risco dessas pessoas desenvolverem demência ou AVC. Chá preto e café moído na hora foram os mais eficazes, em quantidades moderadas de 2-5 xícaras por dia.
O estudo tenta resolver controvérsias anteriores na literatura científica sobre esse tema, avaliando grande número de pessoas com considerável robustez estatística. Além disso, tem a vantagem de ser um estudo prospectivo, porque compara a saúde das mesmas pessoas entre dois pontos distantes no tempo. Tem limitações, lógico. A população-alvo é de um só país, branca e de classe média. Além disso, é claro que este resultado positivo não interrompe a busca por tratamentos. Mas sempre é melhor prevenir do que remediar, não é?
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