Três décadas após a criação das primeiras regras de inclusão de mulheres e minorias em ensaios clínicos, a saúde delas ainda é pouco estudada. O resultado é um impacto direto no bem-estar de pessoas do sexo feminino (e inclusive de seus filhos)
“Há 60 anos, quando a minha mãe estava grávida, não era comum fazer exame pré-natal. Então, quando eu nasci com malformações nos quatro membros, foi um choque para toda a família”, relata a bacharel em administração Cláudia Marques Maximino, de São Paulo. Nascida em 1962, ela é uma das estimadas 10 mil vítimas mundiais da talidomida, substância que foi erroneamente prescrita como tratamento para enjoos de mulheres grávidas entre os anos 1950 e 1960. Produzida em 1954 pela farmacêutica alemã Chemie Grünenthal a partir do ácido glutâmico, a talidomida foi usada como sedativo, hipnótico e antitérmico. Hoje, faz parte da fórmula de medicamentos para tratar mieloma múltiplo, além de úlceras e vermelhidão o na pele provocadas por doenças como hanseníase, lúpus e aids.
Considerado atóxico na época em que foi criado, o composto rapidamente se popularizou pelo mundo. Na Alemanha, a talidomida era vendida sem prescrição médica e apontada como uma substância “completamente inócua” e “segura”. No Reino Unido, era indicada para gestantes e mães que amamentavam. “Pode ser administrada [...] sem quaisquer efeitos adversos tanto para as mães como para os bebês”, dizia uma propaganda. O problema é que não havia comprovação disso. O único documento atestando essa segurança era um relatório de uma página feito pela própria fabricante.
Já nos Estados Unidos, a aprovação do uso da talidomida foi rejeitada pela Food and Drug Administration (FDA), baseando-se nos sintomas de neurite periférica apresentados em adultos e relatados pela farmacologista canadense Frances Oldham Kelsey. Mesmo proibido, porém, o produto foi utilizado no país como tratamento para enjoo de grávidas, prescrito por cerca de 1,2 mil médicos que recebiam a droga diretamente da Grünenthal.
Os efeitos do amplo uso do medicamento começaram a ser observados em 1959, quando especialistas alemães notaram um maior número de crianças nascidas com focomelia, condição congênita caracterizada pelo encurtamento de braços e pernas, ou com ame- lia, a completa ausência dessas partes do corpo. Em 1961, pesquisadores apresentaram evidências de que os problemas estavam associados ao consumo de talidomida pelas mães, e o produto passou a ser retirado do mercado mundial.
O Brasil foi um dos países onde a droga era indicada para grávidas. Comercializada a partir de 1958 por aqui, os primeiros casos brasileiros de malformação em bebês pela talidomida foram relatados em 1960. Dois anos depois, o produto teve sua licença cassada pelo Serviço Nacional de Fiscalização de Medicina e Farmácia, deixando de ser considerado “isento de efeitos adversos”. Sem receber a devida orientação médica, a vida de Cláudia e sua mãe — assim como a de milhares de outras pessoas — foi mudada por um medicamento que, hoje, jamais chegaria às farmácias da forma como aconteceu há seis décadas.
UM DIVISOR DE ÁGUAS
O caso da talidomida mudou o fazer científico para sempre no que diz respeito à regulamentação de medicamentos. Nos anos que seguiram sua contraindicação para grávidas, importantes leis do setor farmacêutico foram assinadas. Nos Estados Unidos (um dos maiores produtores de medicamentos do mundo), a Lei de Produtos Químicos Farmacêuticos a Granel, de 1963, estabeleceu boas práticas de laboratório e de manipulação de matérias-primas. Também foram aprovadas a Emenda de Controle de Abuso de Drogas, em 1965, e a Lei de Embalagem e Rotulagem Justa, de 1966, que criou normas para o armazenamento e a apresentação de remédios.
Além disso, os ensaios clínicos em humanos se tornaram regra para o desenvolvimento de drogas terapêuticas. Como consequência, outra questão passou a ter maior importância nas pesquisas: a representação de grupos diversos da população, incluindo diferentes faixas etárias, comorbidades, raças e gêneros. Na época em que a talidomida começou a ser comercializada, era comum que medicamentos chegassem às prateleiras das farmácias após passar somente por testes com animais (hoje a chamada fase pré-clínica) ou, então, depois de ser avaliados em ensaios clínicos excludentes, que abrangiam majoritariamente homens brancos.
“Ao deixar de incluir um gênero ou raça, existe o risco de você descobrir determinados efeitos colaterais à medida que o produto vai sendo utilizado pela população”, explica Waleuska Spiess, head de Operações Clínicas da farmacêutica Roche no Brasil. “Tendo uma representação mais equitativa entre participantes de um estudo clínico, você consegue antecipar resultados e ter mais dados sobre os efeitos de um tratamento em determinado grupo.”
Por muito tempo, considerou-se que, se as drogas funcionassem nos homens, por extensão seriam igualmente eficazes para mulheres. “Do final do século 19 até meados do século 20, o discurso médico encarava a mulher como um ‘macho imperfeito’”, explica Georgiane Garabely Heil Vázquez, professora adjunta do departa- mento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa, no Paraná. Naquele período, não havia muitos parâmetros para o tratamento de mulheres em diversas áreas médicas. “Foi nessa época, no entanto, que houve a criação e consolidação da ginecologia e da obstetrícia, marcos que finalmente as colocaram como objeto de estudo nas ciências da saúde”, observa Vázquez, que é especialista em história das mulheres e da medicina. O foco dessas novas áreas, contudo, era o sistema reprodutor feminino — o que, de certa forma, reafirmava a função social da mulher na época: a maternidade.
Só em 1989 o cenário começou a mudar. Foi quando os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH) tornaram a inclusão de mulheres em ensaios clínicos uma política de boas práticas. Quatro anos depois, o Congresso norte-americano transformou essa recomendação em lei, garantindo que mulheres e minorias estives- sem representadas em todas as pesquisas. A legislação também iniciou a criação de programas que estimulem a diversidade em ensaios clínicos, e demarcou que é inaceitável que o custo dessa inclusão seja um impedimento para a participação de diferentes grupos sociais.
Desde então, órgãos regulatórios de outros países também passaram a ter a representação de gênero e minorias como uma prioridade na elaboração de ensaios clínicos. Mas até hoje essa disparidade prevalece.
POUCO COMPREENDIDAS
Analisando cerca de 20 mil estudos clínicos realizados entre os anos 2000 e 2020 nos Estados Unidos, cientistas de diversas universidades norte-americanas observaram que ainda há desequilíbrio quando o assunto é como diferentes gêneros são afetados por certas enfermidades. Sabendo que algumas doenças são mais prevalentes em um sexo do que em outro, os pesquisadores resolveram analisar a questão pela carga global de cada condição, ou seja, pela perda de saúde provocada em cada sexo. Os achados foram publicados em junho de 2021 na revista científica JAMA Network Open e não deixam dúvidas: as mulheres estão sub-representadas em ensaios clínicos de cardiologia, oncologia, neurologia, imunologia e hematologia. Por outro lado, são maioria em testes sobre doenças musculo- esqueléticas, traumas, psiquiatria e medicina preventiva.
Para a médica Celi Marques Santos, que foi presidente do departamento de Cardiologia da Mulher da Sociedade Brasileira de Cardiologia no biênio 2020-2021, a pouca representação feminina em estudos nessa área da medicina é um assunto que a acompanha e preocupa há muito tempo. Isso porque doenças cardiovasculares são a principal causa de morte de mulheres em todo o mundo, com destaque para distúrbios isquêmicos e acidente vascular cerebral (AVC). E, ainda assim, a saúde do coração delas é menos estudada do que a dos homens.
Uma pesquisa publicada no ano passado na revista Neurology analisou 281 ensaios sobre AVC realizados entre 1990 e 2020 e concluiu que, dos mais de 588 mil participantes, apenas 37,4% eram mulheres. O índice está abaixo do ideal, considerando que, nos países incluídos no levantamento, a prevalência média de derrame entre elas é de 48%.
“Muitas vezes, os sintomas das mulheres são subvalorizados, pois é comum que AVCs e infartos ocorram após um grande aborrecimento, uma emoção forte, uma briga familiar. Às vezes, quando a mulher chega nervosa ao hospital, ela é tratada como se aquilo fosse apenas uma questão psicológica ou uma dor muscular”, afirma Santos, que é professora de cardiologia na Universidade Tiradentes, em Sergipe, e discute em suas aulas a importância do tratamento cardiológico para mulheres.
Outra questão que prejudica o diagnóstico de problemas cardíacos nelas é que as doenças do coração se manifestam de forma diferente. “Geralmente, no homem, infartos ocorrem porque há placas obstruindo as artérias coronárias, enquanto nas mulheres as doenças não obstrutivas são muito mais frequentes. Quando você vai ver, a mulher já infartou, evoluiu para uma insuficiência cardíaca e ninguém investigou o caso corretamente, porque não havia entupimento de veias”, analisa a médica Paola Smanio, cardiologista do Grupo Fleury e representante do movimento Coração da Mulher.
Há ainda aspectos culturais que interferem na participação de mulheres em ensaios clínicos, como as responsabilidades familiares. “Além de trabalharem, geralmente as mulheres também ficam a cargo dos cuidados com os filhos e a casa. Essa jornada dupla — até mesmo tripla — pode apresentar um empecilho na hora de decidir se juntar a um ensaio ou não, porque, ao aceitar, você deve cumprir uma agenda rigorosa de avaliações médicas que vão além das consultas de check-up”, avalia a oncologista Andreia Cristina de Melo, chefe da Divisão de Pesquisa Clínica e Desenvolvimento Tecnológico do Instituto Nacional de Câncer (Inca).
A escolaridade também pesa. “Apesar de hoje as mulheres serem maioria em escolas e universidades, as gerações anteriores não tinham tanto acesso à educação, e isso pode dificultar a participação voluntária em ensaios clínicos, pois nem sempre elas conhecem as vantagens de participar desses testes”, analisa Melo. Essa realidade se torna ainda mais evidente levando em conta questões raciais.
Um estudo publicado em maio de 2021 na revista JCO Oncology Practices analisou os desafios de incluir afro-americanos em ensaios clínicos sobre tratamentos para câncer. De acordo com a pesquisa, o principal empecilho é a falta de confiança nos testes. “Uma revisão sistemática dos fatores que influenciaram a participação de negros americanos em ensaios clínicos de câncer relatou crenças religiosas, baixo nível de conscientização sobre ensaios clínicos e barreiras estruturais (...) como causas potenciais para a falta de participação adequada”, escrevem os autores.
E essas questões são de longa data. Na edição de novembro de 1997 do Journal of National Medical Association, uma pesquisa sobre a representação de mulheres negras também em ensaios clínicos focados em câncer mostrou que quase um terço delas concordava que não se pode confiar em cientistas. Entre mulheres brancas o percentual foi de 4%. Além disso, 29% das respondentes pretas declararam se sentir ignoradas por pesquisadores, ao passo que apenas 14% das brancas disseram o mesmo.
Dados publicados em maio de 2020 no Journal of the American Heart Association mostram que, em ensaios clínicos para novas medicações cardiometabólicas, mulheres e minorias seguem sub-representadas. Entre 300 mil participantes de testes realizados entre 2000 e 2019, 36% eram mulheres, 12% eram asiáticos, 11% eram latinos e somente 4% eram negros. “É algo para se refletir sobre como isso impacta essa população, que apresenta maiores taxas de agravamento de doenças e de mortalidade”, observa a cardiologista Celi Marques.
REMÉDIO PARA QUEM?
Uma das consequências da baixa participação de mulheres em ensaios clínicos é a dosagem errada de medicamentos para esse público. Segundo um artigo publicado em junho de 2020 na revista Biology of Sex Differences, mulheres estão mais suscetíveis a sofrerem efeitos adversos de remédios do que homens. Historicamente, a maioria dos ensaios clínicos é conduzida com eles e, portanto, acabam ignorando as particularidades do metabolismo feminino. Realizado por pesquisadores das universidades da Califórnia em Berkeley e de Chicago, nos EUA, o estudo encontrou evidências de que ao menos 86 medicações aprovadas pela FDA (incluindo antidepressivos, anticonvulsivos, analgésicos e remédios cardiovasculares) têm uma dosagem que não vale de maneira única para homens e mulheres.
A investigação demonstra que, ao receberem a mesma dose recomendada para homens, mulheres acumulam uma maior concentração dessas drogas no sangue, já que leva mais tempo para o metabolismo delas eliminar as substâncias do corpo. Um exemplo de medicamento que se manifesta dessa forma é o zolpidem, redução da dose pela metade para mulheres, pois, ao demorar mais para ser eliminado do organismo, o remédio causa sonolência e comprometimento cognitivo, predispondo-as a acidentes.
Outra medicação que tem efeitos mais acentuados em mulheres é a lepirudina, anticoagulante que é 25% menos depurado pelos rins num organismo do sexo feminino do que em um masculino. Além disso, o medicamento pode ser detectado na circulação de mulheres por até 48 horas após a ingestão, enquanto nos homens permanece por apenas duas horas. Isso significa que elas têm maior risco de apresentar episódios de sangramento indesejado.
O trabalho na Biology of Sex Differences também mostra que em mais de 90% dos tratamentos medicamentosos analisados, as mulheres sofrem piores efeitos colaterais, que podem ser náusea, dor de cabeça ou até depressão e anomalias cardíacas. No geral, elas manifestam efeitos adversos duas vezes mais do que homens. E essa realidade já é percebida há décadas. Um relatório publicado em 2001 pelo Escritório Geral de Contabilidade dos EUA (GAO, na sigla em inglês) alertou que oito das 10 drogas que foram retiradas do mercado pela FDA entre 1997 e 2001 ofereciam maior risco à saúde das mulheres. Graves, os efeitos observados envolviam falência do fígado, inflamação do intestino e problemas cardiovasculares, a exemplo de arritmias e anomalias nas válvulas do coração.
“É cada vez mais necessária a exigência de se relatar os resultados de estudos de qualquer tratamento, separando-os por sexo”, ressalta a neurologista Sonia Maria Dozzi Brucki, professora do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e coordenadora da Comissão de Mulheres na Neurologia da Academia Brasileira de Neurologia. “Isso serve para sabermos a eficácia, a farmacocinética (concentrações da substância no sangue em diferentes intervalos de tempo após doses similares) e a evolução da doença frente aquele tratamento.”
DUAS VIDAS EM JOGO
Uma fase que causa preocupação especial em relação aos efeitos colaterais é a gravidez. O caso da talidomida mostrou como um remédio, sem o devido estudo, pode provocar efeitos teratogênicos no feto, ou seja, causar malformações no bebê, comprometendo sua saúde pelo resto da vida. Desde esse episódio, mulheres grávidas se tornaram um tópico sensível para a área da pesquisa clínica — que, com razão, segue regras que visam preservar a saúde fetal.
No entanto, gestantes também adoecem e são grupo de risco de diversas doenças graves, podendo desenvolver hipertensão, diabetes e outras encrencas. Mas, como elas geralmente são excluídas de ensaios clínicos por conta dos possíveis efeitos de medicamentos, o tratamento para essas condições evoluiu pouco. “Enquanto esse grupo for sistematicamente excluído, a ciência não irá descobrir quais são os efeitos adversos das medicações no contexto da gravidez, e isso acaba prejudicando as mulheres em um período tão vulnerável”, pontua a ginecologista e obstetra Roseli Mieko Yamamoto Nomura, professora adjunta da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Um exemplo recente da exclusão de mulheres grávidas em estudos clínicos são os testes de tratamento para Covid-19. Ao fim do primeiro ano da pandemia, um artigo publicado na revista The Lancet Global Health chamou atenção para a baixa representação das gestantes. Segundo o levantamento, a gravidez foi um critério de exclusão em 74% dos ensaios clínicos para tratamentos da Covid. Como criticam os autores, essas decisões banem mulheres que, sendo um grupo de risco para doença, poderiam se beneficiar das terapias em desenvolvimento.
Para Nomura, aspectos financeiros também interferem nessa exclusão sistemática. “O custo da pesquisa sobe muito quando você fala em abranger um novo subgrupo. Mesmo sendo tão importante e expressivo, a indústria geralmente não investe nesse segmento”, critica a médica, que é membro da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Mas, aos poucos, o cenário vai mudando e cada vez mais estudos se preocupam em criar tratamentos seguros para mulheres grávidas. Um exemplo é uma vacina em desenvolvimento na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que protege gestantes com dependência química e seus bebês contra os efeitos da cocaína. “Temos levado o período de gestação muito a sério, estudando-o inclusive durante as fases pré-clínicas”, afirma a psiquiatra Maila de Castro Lourenço das Neves, professora adjunta da Faculdade de Medicina da UFMG e uma das líderes do trabalho. “É muito importante que a gente discuta o viés de gênero na medicina, desde os ensaios clínicos até o consultório.”
ENSAIANDO SOLUÇÕES
Foi justamente para ajudar a promover a igualdade de gênero em estudos que a Associação Europeia de Editores Científicos criou, em 2012, as diretrizes de Equidade de Sexo e Gênero na Pesquisa (Sager, na sigla em inglês). As orientações guiam a inclusão de diferentes sexos e gêneros no desenho, nos resultados e na interpretação de pesquisas por seus autores e editores, diminuindo a negligência desses dados na comunidade científica.
Outra iniciativa que ajuda a garantir a representação de mulheres e minorias em ensaios clínicos é a prática cada vez mais comum de realizá-los simultaneamente em países ou regiões diferentes. “Ter a participação de gêneros e raças distintas é importante pois a resposta [a determinado tratamento] pode ter peculiaridades em diferentes grupos”, explica a infectologista Lily Yin Weckx, professora associada do departamento de Pediatria da Unifesp. “Estudos multicêntricos, ou seja, realizados em diversos centros de pesquisa, são capazes de recrutar voluntários que representem melhor a população geral.”
Recentemente, Weckx esteve envolvida no estudo multicêntrico da vacina ChAdOx1 nCoV-19, produzida pela Universidade de Oxford junto à farmacêutica anglo-sueca AstraZeneca contra a Covid-19. Os testes foram realizados na Inglaterra, no Brasil, na África do Sul, entre outros países.
Em geral, a inclusão de mulheres e minorias é uma prerrogativa para a realização de qualquer ensaio clínico no Brasil. Por mais que o país não conte com uma lei como a que foi assinada na década de 1990 nos EUA, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) exige que estudos sejam representativos da população analisada.
Mesmo assim, há um Projeto de Lei que determina a paridade de gênero em ensaios. Proposto em junho de 2019 pelo deputado federal Célio Silveira (PSDB-GO), o PL 3611/19 obriga que pesquisas clínicas ou biomédicas equiparem a quantidade de homens e mulheres. Porém, o projeto está parado, em análise desde outubro de 2019 pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática.
A tecnologia também tem seu papel na diminuição da discrepância em ensaios. Pesquisadores da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, desenvolveram um algoritmo que, por meio de inteligência artificial, consegue identificar e prever as diferenças entre os efeitos adversos ocorridos em mulheres e homens. Chamado de AwareDX (sigla para Análise de Risco de Mulheres em Experimentos de Toxicidade de Drogas, em tradução livre), o método se baseia na análise de 50 anos de relatórios publicados na base de dados da FDA.
Entre normas e avanços tecnológicos, a máxima “uma puxa a outra” segue válida. Uma investigação divulgada em 2020 na revista Circulation: Heart Failure mostrou que quanto maior é a participação de mulheres na condução de estudos, maior é a presença delas como voluntárias. Para isso, porém, é preciso incentivar o ingresso de mulheres na ciência. No Brasil, elas representam 54% dos estudantes de doutorado, mas isso se distribui de maneira desigual: se são maioria na área da saúde, por exemplo, respondem por menos de 25% em pesquisas no campo da matemática ou de ciências da computação.
“Não é uma mudança que ocorre de um dia para o outro, mas precisamos dar mais oportunidades a mulheres”, conclui a oncologista Andreia Melo. “Quando fazemos isso, é visível o impacto positivo sobre a pesquisa científica como um todo.”
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